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A conspiração da lâmpada: por que nossas coisas duram cada vez menos?

Obsolescência programada. Você pode nunca ter ouvido falar esse nome, mas certamente já foi vítima dela. É por causa dela que tanto nos queixamos que as coisas não duram mais como antigamente. E faz tempo que as coisas são feitas para não durar.


A obsolescência programada é o motor secreto da nossa sociedade de consumo. Podemos defini-la como o desejo do consumidor em ter algo um pouco mais novo, um pouco melhor, um pouco mais cedo que o necessário. Pode parecer recente, mas esse conceito determina a forma como consumimos desde os anos 1920, quando fabricantes começaram a encurtar a vida útil dos produtos para aumentar a demanda e o consumo.


O documentário A Conspiração da Lâmpada mergulha em toda a história deste conceito, que, pasmem!, teve início há um século, com os fabricantes de lâmpadas.


O cartel da Phoebus, o surgimento da obsolescência programada


Em 1881, Thomas Edison vendia sua primeira lâmpada. Ela durava 1500 horas. Em 1924, um grupo de empresários resolveu criar um plano secreto com o objetivo de controlar a produção mundial de lâmpadas e dividir o mercado entre eles. Assim surgia o cartel "Phoebus". Faziam parte dele empresas como a Phillips da Holanda, a Osram da Alemanha e a Compagnie des Lampes da França. Quando o cartel foi criado, os fabricantes se vangloriavam da longevidade de suas lâmpadas e anunciavam orgulhosamente a duração de incríveis 2500 horas. Mas essa durabilidade não era boa para os negócios, significava menos lâmpadas vendidas.


Na Phoebus, então, os fabricantes decidiram tornar as lâmpadas mais frágeis e limitar a sua vida útil em 1000 horas. Em 1925 até um comitê foi formado para isso. Em dois anos, a durabilidade caiu das 2500 horas para menos de 1500. Até que nos anos 1940 o cartel atingiu seu objetivo: uma lâmpada comum durava míseras 1000 horas.


Por outro lado, o documentário traz o curioso caso da lâmpada do quartel de bombeiros de Livermore, que vem iluminando continuamente o local desde 1901! Ironicamente, já durou mais que duas webcams utilizadas para transmitir imagens do seu funcionamento em tempo real. O segredo da lâmpada projetada por Adolphe Chaillet para durar tanto nunca foi revelado. Vários projetos de lâmpadas semelhantes surgiram ao longo das décadas seguintes, curiosamente, nenhuma delas chegou ao mercado.


A lâmpada, até hoje símbolo das grandes ideias e inovação, tornou-se assim o melhor e mais antigo exemplo de obsolescência programada.


Obsolescência planejada obrigatória


A obsolescência programada surgiu ao mesmo tempo que a produção em série e a sociedade de consumo. A Revolução Industrial permitiu a fabricação em larga escala, o que barateou o preço dos produtos. Isso era ótimo para os consumidores, mas não havia mercado para tanta produção. Diante deste cenário, já em 1928 uma influente revista advertia: "Um artigo que não se desgasta é uma tragédia para os negócios". Nesta época as pessoas começaram a consumir não apenas por necessidade, mas por prazer, e a economia atingia seu auge. Até a grande crise de 1929, quando as pessoas passaram a não mais procurar por bens, mas por trabalho e comida...


Bernard London, um importante corretor de imóveis de Nova Iorque, sugeriu acabar com a Grande Depressão tornando a obsolescência programada obrigatória por lei. Foi a primeira vez que o conceito foi posto oficialmente no papel. Segundo a proposta de London, todos os produtos teriam um contrato de arrendamento com prazo de validade definido, após o qual seriam legalmente considerados "mortos". Os consumidores os entregariam numa agência do governo onde seriam destruídos. Essa data de validade forçada reviveria o consumismo e a necessidade de maior produção de bens. London achava que com a obsolescência planejada obrigatória as rodas da indústria continuariam girando, as pessoas continuariam consumindo e todo mundo teria trabalho. De fato, ninguém ouviu London e a obsolescência obrigatória nunca foi posta em prática.


Vinte anos depois, nos anos 1950, a ideia ressurgiu, mas com uma diferença: em vez de ser forçada aos consumidores, ela os seduziria. Ao contrário da abordagem europeia do passado, quando tentavam fazer o melhor produto de forma a durar para sempre, a abordagem na América era fazer com que o consumidor, insatisfeito com o produto que adquiriu, comprasse um produto novo e com a aparência mais nova possível.


Os carros e a introdução do "modelo anual"


O conceito se expandiu para os automóveis. Foi Alfred Sloan, presidente da General Motors, que introduziu a ideia do "modelo anual", com constante mudança de cores, formas e tamanhos, para rivalizar com a Ford e seus veículos clássicos, pretos e imutáveis. O objetivo era incentivar a troca de carro a cada três anos. A estratégia funcionou, os consumidores começaram a ver o Ford T como antiquado e obsoleto e as vendas da empresa caíram. E o modelo anual é explorado pelas montadoras até hoje, inclusive pela Ford.


Indústria têxtil


Em 1940, a gigante química Dupont anunciava uma fibra sintética revolucionária: o nylon. Quando o material surgiu, os fabricantes pensaram em usá-lo nas meias. Meias eram um problema nos anos 50 e 60, quando as mulheres eram obrigadas a usar, sair sem meias era chocante para a época. O surgimento de uma meia resistente era um progresso, mas a alegria durou pouco...


Os homens levavam as meias para casa para que suas esposas e namoradas testassem. As mulheres ficaram encantadas pois eram realmente muito resistentes. Os químicos da Dupont tinham motivos para ficarem felizes com o êxito. O problema é que eles trabalharam bem e as meias de fato duravam muito, o que significava que os fabricantes não venderiam muitas... Foi então que a Dupont deu novas instruções, para que os homens voltassem à prancheta para tentar fazer uma fibra mais frágil, de modo que as meias não durassem tanto. Gradualmente e ao longo do tempo as meias tornaram-se mais finas e frágeis mais uma vez...


Impressoras - quem nunca teve problema com uma?


Você manda um documento para impressão e do nada aparece uma mensagem de erro no seu computador... Você leva a impressora na assistência técnica e descobre que o conserto custa quase o valor de uma impressora nova. Este é um exemplo clássico de como somos vítimas da obsolescência programada.


Talvez o exemplo de obsolescência mais absurdo que o documentário traz diz respeito às impressoras. O filme mostra como os engenheiros determinam quanto tempo elas irão durar, instalando um simples chip no seu interior. Esse chip armazena o número de impressões feitas pelo aparelho. Quando a impressora atinge uma quantidade pré-determinada de impressões estabelecida pelo fabricante, é bloqueada e para de funcionar. Estratégia genial para as vendas, não?


E o que falar dos eletrônicos que depois de um determinado tempo não recebem mais atualização do sistema? O documentário traz ainda o caso dos iPods da Apple, cujas baterias não podiam ser substituídas, quando estas falhavam era preciso comprar um novo aparelho.


O impacto ambiental de uma economia descartável


A obsolescência programada produz um fluxo constante de resíduos, em especial de lixo eletrônico. Grande parte desse resíduo é enviado para países de terceiro mundo, como Gana na África. A exportação de lixo eletrônico é proibida por leis internacionais, mas os comerciantes burlam a lei ao declararem ser bens de segunda mão. Para se ter ideia do tamanho do problema, mais de 90% do lixo eletrônico que chega até Gana não tem conserto e é abandonado em lixões pelo país. O sentimento é de que enquanto os países de primeiro mundo incentivam a obsolescência programada para fazer crescer a sua economia, o seu pequeno país subdesenvolvido é apenas a lata de lixo do mundo.


Numa sociedade de desperdício, qualquer produto de vida curta cria um problema de resíduo e a economia de resíduos está chegando ao seu limite. Fisicamente não temos mais onde depositar tanto lixo. A obsolescência programada tem sido estimulada porque há incentivos econômicos para isso. É mais interessante para uma empresa criar um produto que não dure mais que 3 anos ou mil horas, pois assim pode vender mais produtos e mais vezes. No entanto, há um limite para os recursos naturais e energéticos do nosso planeta, algo que não se tinha conhecimento nas décadas de 1920 ou 1950.


A natureza não produz resíduos, apenas nutrientes. A indústria poderia se inspirar mais nos ciclos da natureza. Podemos redesenhar tudo, tornando os produtos tecnicamente e biologicamente úteis. É preciso uma mudança de paradigma, uma reforma não apenas no sistema econômico mas também nos nossos valores. Seria ético desenhar um produto para que ele falhe?


Como dizia Ghandi: "O mundo é grande o bastante para satisfazer a necessidade de todos, mas será sempre pequeno para satisfazer a cobiça de alguém".


*Baseado no documentário A Conspiração da Lâmpada (The Lightbulb Conspiracy, 2010).

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Jéssica Michalak Besen

Engenheira Ambiental e de Segurança do Trabalho

apaixonada por tudo que envolve meio ambiente e sustentabilidade

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