top of page

Seremos história?

Vivemos em um mundo cada vez mais polarizado, dividido por diversas crenças antagônicas e que servem apenas para semear o caos em meio a tantas causas importantes e urgentes que viemos enfrentando nos últimos tempos. Uma dessas polarizações diz respeito às mudanças climáticas, o mundo se divide entre os que acreditam e os que continuam gritando aos quatro cantos que isso não passa de uma fraude. Por que será?


O documentário Seremos História? (Before de Flood, no título original) traz essa busca por respostas. O ator Leonardo di Caprio, nomeado mensageiro da paz pela ONU, narra suas descobertas ao longo de dois anos viajando para diferentes partes do planeta, conhecendo as causas, evidências e as consequências das mudanças climáticas, bem como discutindo soluções para combatê-las. Ao longo do filme, Di Caprio entrevista vários líderes como Barack Obama, Bill Clinton, Al Gore, Ban Ki-moon, Elon Musk, e até mesmo o Papa Francisco. Todos são enfáticos quanto à realidade do problema.


O documentário também é claro ao mostrar porque há quem negue tanto que isso esteja de fato acontecendo...



Primeiro, as causas.


Para iniciar o debate sobre mudanças climáticas, precisamos reconhecer que nossa economia é baseada em combustíveis fósseis. O petróleo é o que move nossos sistemas de transporte, enquanto o carvão e o gás natural são nossas principais fontes de eletricidade. São formas baratas e altamente energéticas, mas com um alto impacto nos nossos ecossistemas, lançando todos os anos toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. Não existe combustível fóssil ecológico e toda essa economia de custos tem consequências.


A China e a Índia ocupam, respectivamente, o 1º e o 3º lugares no ranking dos maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta. A China passou por um forte processo de industrialização nos últimos anos, abastecida pela indústria de carvão. Apenas nos arredores de Pequim o consumo desse combustível equivale a todo o carvão consumido nos Estados Unidos. Na Índia o problema parece ser ainda maior. Além de ser altamente dependente de suas minas de carvão, o país sofre com a escassez energética, 300 milhões de pessoas, ou 30% das residências do país, ainda não tem acesso à eletricidade. Como iniciar a transição para uma matriz energética mais sustentável se tantos indianos não tem energia em suas casas?


Da Índia vem também mais uma provocação. Outra causa das mudanças climáticas é o estilo de vida e consumo das famílias, que vem levando à exaustão os recursos do nosso planeta. O consumo energético médio de um americano é 1,5 vezes o consumo de um francês, 2,2 vezes o consumo de um japonês, 10 vezes o consumo de um chinês, 34 vezes o consumo de um indiano e 61 vezes o consumo de um nigeriano. Para haver justiça climática, é preciso colocar o estilo de vida e consumo dos povos desenvolvidos no centro das negociações climáticas. Não basta mudar a matriz energética, é também necessário reduzir a demanda.


Também não podemos deixar de falar nos dois grandes estabilizadores do nosso clima: os oceanos e as florestas. Os oceanos absorvem cerca de 1/3 das nossas emissões, comportando-se como uma grande esponja. O problema é que isso vem causando diversos impactos aos ecossistemas marinhos, sobretudo nos corais que vêm desaparecendo em uma escala sem precedentes. Cerca de 50% dos corais foram perdidos nos últimos 30 anos. Estima-se que 1 bilhão de pessoas dependem dos ecossistemas marinhos para suprir suas necessidades diárias de proteína. Como será daqui a 30 anos?


E o que falar de nossas florestas. Ainda temos três grandes fragmentos de florestas tropicais: a Amazônia, as florestas do Congo e as florestas do sudeste asiático. As florestas são grandes reservatórios de carbono que ao longo do tempo vai sendo estocado nas folhas, raízes e troncos das árvores por meio do processo de fotossíntese. Aí vem as queimadas e esse grande reservatório de carbono vira uma bomba, liberando toneladas de gases de efeito estufa para a atmosfera. É o que vem acontecendo diariamente em nossas florestas tropicais. Na Indonésia o fogo é utilizado para dar espaço à produção de óleo de palma, commodity barata, utilizada na preparação de alimentos e cosméticos e que se traduz em lucro para as empresas. Toda essa destruição tem o apoio dos líderes do país, um dos mais corruptos do mundo, subornados pelas grandes empresas. Nada muito diferente do que acontece com a nossa Amazônia para dar espaço à expansão da agropecuária...


A pecuária requer grandes espaços de terra, é uma das formas mais ineficientes de utilizar os recursos do planeta. Além do gado avançar por áreas de floresta, destruindo nossas grandes reservas de carbono, esses animais emitem metano no processo de digestão, um gás 23 vezes mais ofensivo ao efeito estufa que o CO2. Praticamente toda a emissão antrópica de metano é derivada da atividade pecuária, uma grande causadora do aquecimento global.


As evidências e consequências...


Não há nada de justo nas mudanças climáticas. As pequenas nações insulares, que menos contribuem para a questão do clima, serão as mais impactadas pelas suas consequências. Em visita a Kiribati e Palau, duas pequenas nações do pacífico, os impactos ficam evidentes: o avanço do mar, a destruição das construções costeiras, a migração forçada de seus habitantes. Esses efeitos também podem ser observados na costa de Bangladesh, país pobre e com diversos problemas sociais, que vê seu padrão de chuvas se alterar e inundar suas plantações.


Países ricos também são afetados, mas estão mais preparados estrutural e economicamente para resistir aos impactos. Como na Flórida, onde estão sendo instaladas bombas para evitar a inundação das costas a um custo gigantesco, cujo resultado paliativo será suficiente apenas para conter o avanço do mar nas próximas 3 ou 4 décadas.


Em visita ao Ártico, é assustador observar a velocidade de derretimento das nossas geleiras. Camadas cada vez mais finas de gelo cobrem a superfície. Estima-se que em 2040 não haverá mais gelo no círculo polar Ártico durante todo o verão, período em que será possível navegar por todo o Polo Norte. A Groelândia vai deixar de existir.


O documentário mostra as gravações de O Regresso, filme que deu à Leonardo o primeiro Oscar de melhor ator. As filmagens estavam sendo realizadas no cinturão de neve do Canadá, mas o aumento das temperaturas fez a neve derreter de forma que não havia mais paisagens congeladas para as locações finais do filme, o que obrigou a equipe a se deslocar até o sul da Patagônia, no Ushuaia, para encontrar neve suficiente e finalizar o filme.


Branqueamento e desaparecimento dos corais, acidificação do oceanos, perda da biodiversidade, alteração dos padrões de chuva, secas, inundações, aumento da temperatura, derretimento das geleiras, aumento do nível do mar, migrações, conflitos são apenas algumas das consequências das mudanças climáticas, muitas das quais já estão em curso.


Nós falamos de aquecimento global e mudanças climáticas há mais de 50 anos. Como seria se tivéssemos levado a sério na época, desde o início?


E o que podemos fazer agora?


A primeira e mais urgente medida é migrar de uma matriz energética altamente viciada em combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia, como a solar e eólica. A pressão popular já fez a China elaborar um plano de adoção e expansão do uso de energia eólica e solar no país. Se a China pode, o resto do mundo também pode.


Outra medida a nível governamental é a instituição de um imposto de carbono, uma taxa sobre as atividades que emitem carbono com o objetivo de responsabilizar o emissor pelos custos e impactos que gera no nosso clima. A finalidade é taxar atividades ou produtos que têm efeitos colaterais em outras pessoas, como foi feito com o cigarro. Quando o preço sobe, as pessoas consomem menos. Esta é uma medida controversa, primeiro porque envolve a criação de mais um imposto, o que a torna impopular, isso poderia ser facilmente contornado com o corte de outros impostos como forma de compensação. Segundo, porque grande parte dos políticos e governantes tem suas campanhas financiadas por grandes empresas emissoras de gases causadores do efeito estufa, como a indústria petrolífera. O lobby é grande.


Mas essas são questões que nós enquanto indivíduos temos pouca influência, a não ser pelo voto e pelas manifestações de apoio.


Nós podemos contribuir hoje para o combate às mudanças climáticas simplificando nosso estilo de vida, consumindo menos e melhor. Saber a procedência do que estamos consumindo também é importante. Ao comprar um cheetos feito com óleo de palma, você está financiando a indústria do desmatamento das florestas tropicais, que estão sendo dizimadas para o plantio de palmeiras de onde é extraído o óleo a um baixíssimo custo financeiro e inestimável custo socioambiental. Ao adquirir um produto da China, é muito provável que você esteja incentivando a indústria carvoeira do país. Se o impacto desses produtos existe é porque ainda tem quem compre esses produtos.


Outra forma bastante eficiente de contribuir agora para o combate às mudanças climáticas é mudar sua dieta e reduzir o consumo de carne, especialmente de carne vermelha. Esse assunto é bastante polêmico, mas é a forma mais eficaz. Você não precisa tirar a carne do seu cardápio, pode substituir, por exemplo, a carne vermelha por frango, que exige bem menos espaço para ser produzida (requer 20% da terra necessária para a criação de gado) e minimiza ainda a produção de metano emitido pelos bovinos (corresponde a apenas 10% das emissões dos bovinos). E ainda, diante do atual cenário, contribui para a economia do nosso Estado, grande polo de produção aviária.


Mas afinal, por que muitos ainda negam a ocorrência das mudanças climáticas?


Temos muitos líderes políticos como governadores, senadores e chefes de estado que não acreditam nas mudanças climáticas, pior, temos cientistas renomados que negam o que está acontecendo. O que eles têm em comum? Financiamento massivo da indústria petrolífera, grande emissora de gases de efeito estufa, que bancam as campanhas de diversos políticos e assim conseguem manipular os governos para que não sejam aprovadas leis e regulações de proteção ao meio ambiente. E ainda, fazem parte de uma campanha de desinformação massiva para confundir a população, com cientistas sendo difamados, acusados e ameaçados. Esse é o atual cenário norte-americano apresentado no documentário, mas bem que podia ser o retrato do Brasil, senão fosse pelo fato de o lobby aqui ser outro, o da bancada ruralista.


Da próxima vez que você ouvir alguém desacreditando as mudanças climáticas, peça em quem ele votou, ou quem patrocinou sua campanha. E assista esse incrível documentário enquanto há tempo de fazermos algo para não sermos apenas história.

1668000636496.jpeg

Jéssica Michalak Besen

Engenheira Ambiental e de Segurança do Trabalho

apaixonada por tudo que envolve meio ambiente e sustentabilidade

  • Facebook ícone social
  • LinkedIn ícone social

Preserve

Tem a missão de compartilhar ideais, informações e atitudes sustentáveis para um mundo mais justo, próspero e saudável, com empatia e respeito ao meio ambiente e a todos que o coabitam. 

Conheça nossos serviços de consultoria ambiental e parcerias

contato: michalak.je@gmail.com

Massaranduba, SC, Brasil

Posts em Destaque
Posts Recentes
bottom of page